A Regra de Ramsey


Hoje um dos seniores da família lançou um primeiro apelo. Não o esperava tão cedo, mas esperava-o: a fria lógica do empobrecimento aproxima-se de todos nós, imparável.
Pensei no exemplo de tantos e tantos anos de trabalho incansável ao serviço de um determinado ideal de coisa pública. Pensei na seriedade, na abnegação, na crença genuína na relevância e interesse desse serviço público. Lembrei-me da ansiedade do zelo, do cansaço, do envelhecimento, do magro triunfo de uma folha de serviços impecável, do reconhecimento dos pares no momento de partir.
Alguns anos volvidos e o mesmo Estado que serviu denodadamente prepara-se para tratá-lo como lixo, emagrecendo-lhe constantemente a pensão, agravando-lhe persistentemente a carga (a canga) tributária. O Estado quere-o pobre.
Uma boa parte do Direito Fiscal explica-se friamente com a "Regra de Ramsey" ou "da elasticidade inversa". Cercada embora da habitual complexidade que pretende conferir-lhe uma respeitabilidade eufemística, o que a Regra na essência diz é que a tributação óptima é aquela que onerar em primeiro lugar, e principalmente, aqueles que evidenciem menor elasticidade à tributação (daí a "elasticidade inversa").
Em português simples, o princípio é o de que se deve tributar aqueles que não podem fugir, que não têm por onde, ou para onde, fugir.
Lembro-me de meditar há anos nas imagens do cerco de Beirute, e de me interrogar porque é que tantos civis tinham ficado – para cair de imediato na constatação óbvia de que não podiam fugir, não tinham como, por onde, nem para onde, fugir.
Não é preciso ser-se muito radicalmente rawlsiano para se perfilhar a ideia de que a justiça de uma sociedade se mede pela forma como ela trata os seus mais vulneráveis, os seus mais inocentes, os seus mais pobres.
Também não é precisa muita elaboração ética para se identificar o pecado da ingratidão.
Neste inútil sacrifício da economia nacional à inútil pretensão de alargar a agonia do Euro, o Estado, e a população que ainda o sustenta e legitima, encarniçam-se cinicamente contra os pensionistas idosos só porque eles não podem fugir.
É cruel, é injusto e sobretudo é ingrato.
O Estado está a sacrificar a uma inutilidade pretensamente necessária os últimos resquícios de justiça social e os últimos valores colectivos. Se um dia recuperarmos de tudo isto, vai ser deste abandalhamento silencioso, entre o tímido e o apático, que mais tempo levaremos a livrar-nos. Isto já foi longe de mais.

1 comentário:

  1. Esta sua voz aqui é relevante mas permito-me solicitar-lhe que a eleve mais alto. Fale muito alto. Grite. Onde mais o ouçam. Demonstre a irracionalidade e a maldade disto.

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