Estratégia da aranha


Oscar Wilde, no seu gosto irreprimido pela boutade paradoxal, asseverava que nunca perdoamos a quem nos fez bem. Tinha razão, claro, que a gratidão é um impulso muito pouco darwinista, um daqueles cuja espontaneidade depende do hábito de uma vida inteira. A gratidão genuína traz muito pouca recompensa, ou quase nenhuma, e por isso não admira que os moralistas, ou pelo menos os moralistas que sabem identificá-la, insistam em que a absorvamos, a internalizemos, para que a convertamos numa vantagem em si mesma (algo que alegadamente nos confortaria interiormente e dispensaria ulteriores indagações sobre a sua função).
Por "ansiedade da influência" tenho sido abundantemente ingrato, embora procure a atenuante de ao menos reconhecê-lo, e a atenuante suplementar de perdoar genuinamente àqueles para quem fui ingrato. A justificação encontro-a na veia individualista que pulsa naquela "ansiedade", e que é particularmente inconsequente.
Mas hoje uso a ingratidão alheia – ao menos aquilo que emerge da minha percepção distorcida desse tipo de relações – como uma pedra de toque para a avaliação preliminar do carácter. Procuro criar uma situação de abnegação e generosidade, provocando-a com maior ou menor medida de cínica artificialidade, e depois observo, como se estivesse pronto a elaborar uma tese em teoria dos jogos. Alguns reagem irracionalmente; e, de entre os que reagem racionalmente, poucos são os que não perdem a naturalidade. Restam os puros de coração, os que exibem infantilmente, anti-darwinisticamente, daquela forma que só adultos muito aculturados e seguros de si mesmos são capazes, os seus sentimentos. Esses desarmam-me, fazem-me vacilar a presunção, quase infalível num ingrato crónico como eu, de que estou a lidar com um mundo cão (que expressão tão injusta, logo os cães que são, na maioria, exemplares na demonstração de uma forma puramente amoral e darwinista de gratidão, uma forma falsa e mercenária que perdoa invariavelmente mas que pode romanticamente, ingenuamente, por distorção antropomorfista, induzir a nossa forma moral e abnegada de gratidão).

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