Os franceses inventaram a "ideologia"; inventaram a "esquerda" e a "direita"; inventaram a traição de Dreyfus e o "soixante-huitard"; inventaram o mercantilismo e as porcelanas de Limoges; inventaram o jardim "à francesa" e o "bouillon"; inventaram a "chinoiserie" e metade dos queijos do mundo; diz-se que inventaram Deus e que, libertinos, imitam o demónio.
Não surpreende que pareçam hoje reféns de uma caricatura, e que seja com essa caricatura que todo o resto do mundo interage. Ninguém tem tempo de penetrar nesse âmago tão estranho que é a "chose française", sondar-lhe as motivações, e por isso toda a referência é superficial, "comme il le faut" na era dos "soundbytes" e dos "twitts".
Lembrei-me disto porque os comentadores políticos portugueses fazem esforços patéticos para explicar o que lhes escapa no actual cenário das eleições francesas – que é o que extravasa da moldura da caricatura.
Na blogosfera, em contrapartida, aparecem muito espersamente comentários certeiros (EXEMPLO), e é tudo.
Ligo a televisão e a habitual enxurrada de chavões tenta, por exemplo, abarcar o fenómeno Marine Le Pen; em vão, é fenómeno novo que já não encaixa na puída caricatura maniqueísta; bem se esforçam, mas a coisa assume contornos de verdadeiro mistério, com uns fumos de escândalo (LER, LER).
Foram os franceses que inventaram o género, agora que o aguentem.
Admito, contudo, que estejam a inventar algo de novo, uma desconcertante baralhação de categorias que lhes devolve a oportunidade de irem na vanguarda, deixando o resto do mundo com a caduca herança daquilo que para os franceses já não serve. Ils se payent nos têtes, em suma. É assim desde o século XVII.
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