Da Literatura


Eduardo Pitta confessa o seu weltschmerz, à mistura com alguma dilaceração existencial, no seu mais recente post. (LER)
Vindo de uma pessoa culta e combativa, dá que pensar, e as circunstâncias a que alude fazem-me meditar, num registo entre o respeitoso e o receoso.
Um dia esta ilusão de segurança em que assentamos a vida adulta esboroa-se debaixo dos pés e ficamos naquela situação de consciente vulnerabilidade que outrora se designaria por "natureza decaída" mas que eu, acompanhando Alasdair MacIntyre, prefiro designar como a condição de "animais racionais dependentes", ou seja, de pessoas subordinadas ao triplo infortúnio de ficarem expostas a um mal inescapável, de permanecerem plenamente conscientes disso e de poderem antecipar a inelutabilidade do remate de uma acumulação de males.
É então que se nos revelam os bastidores da nossa soberba racional – e eu reservaria a esses bastidores o nome de "vida real", uma pulsação primária que precede as nossas reelaborações racionais e nos acompanha terminalmente, quando já não somos capazes de nos iludir, de pensar ou de sublimar as nossas dores.
Queremos obsessivamente apegar-nos a uma "vida convencional", de cultura, de valores, de partilhas, de consensos, de ironias, de argumentos, de gozos e representações, e um dia percebemos que essa é uma ponte frágil que aqueles que têm mais sorte (e apenas eles) conseguem temporariamente soerguer por sobre o turbilhão em que nascemos e a que estamos condenados a regressar.
É isto que é a vida, a nudez sob as nossas vestes e máscaras.
Um dia as palavras abandonam-nos e percebemos que elas não lograram qualquer triunfo sobre a vida real (excepção feita, talvez, aos recantos de inefabilidade órfica da poesia). Tudo o resto é a ilusão de uma terapia que dura precisamente o tempo dessa ilusão.
Do fundo da sua amargura Eduardo Pitta promete "andar por aqui". Respeito-o, e mais ainda aos motivos porque o faz. Receio, todavia, a clássica observação de Epicuro, de que "é fútil o argumento filosófico com o qual não se alcança o alívio terapêutico do sofrimento humano". Não obstante os nossos esforços, a vida real nunca se esquece de recobrar, em pleno, e com a maior crueza, os seus direitos suspensos. É nisto que consiste a vulnerabilidade da nossa condição.

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