Ainda os povos dóceis e piegas


Um vazio de quadros provocado pelas convulsões, saneamentos, intimidações e violências de 1974 abriu o caminho à ascensão rápida de alguns políticos imberbes, que demasiado tempo permaneceram na ribalta.
Isso autorizou alguma circulação pelo poder de pessoas não totalmente enfeudadas a partidos, ou cultivando através dos seus equívocos ou volubilidades a independência possível.
Em contrapartida, essa permanência demasiado longa de uma geração não permitiu a cadência sucessória desejável, e deixou fermentar, muito para lá daquilo que seria recomendado, a "reserva de ambições" em que se converteram as juventudes partidárias.
Resultado: a "quota da juventude" é hoje reivindicada por nomes que há muito deixaram de ser jovens mas nunca deixaram de ser delfins (uma espécie de Príncipes de Gales envelhecidos no posto, como o lusófilo Eduardo ou o actual botanófilo Carlos), não há mais lugar para independentes, e essa clientela intra-partidária, que tudo pretende assaltar, não sente que tenha que oferecer mais contrapartidas do que o agravo de ter azedado na espera.
A geração que deixa agora (finalmente!) a ribalta conduziu o país a este embaraço financeiro que implica o sacrifício da economia aos desígnios do europeísmo – a factura mais desnecessária e imbecil desde 1640, pelo menos. Não deixa portanto saudades.
A geração que ingressa apresenta, por seu lado, um currículo indigente, e a menos sinistra das motivações que patenteia é a de persistir nos erros cometidos e mantidos pelos seus mentores. A pior motivação, essa é a de que, tendo sido formada na pura servidão partidária, está pronta a demitir-se perante a primeira arrogância caudilhista e "afirmativa" com que venha a defrontar-se pelo caminho.
Ela não combaterá. Os adornos democráticos paramentam mal esta geração servil.
Pode ela apontar o dedo acusador à "pieguice" de uma nação atordoada; mas é essa nação atordoada que ela deveria temer, porque é dela que pode emergir, a qualquer momento, por entre a ilusória acalmia que parece resignação e cansaço, um "basta!" que abrirá novos vazios, novos rumos e ascensões ao poder por vias alternativas às partidárias - mas não menos democráticas.
A acalmia das «Luzes» precedeu tão ostensivamente a Revolução, lembremo-lo, que no final do século XVIII houve quem tivesse dificuldade em antever, ou mesmo entrever, ou até perceber, o súbito colapso no Terror, perpetrado pelas ovelhas dóceis dos decénios precedentes.
Para Jefferson, Wordsworth, Kant, Washington, Coleridge, Madison, Goethe, não parecia concebível que um povo estóico, mal resgatado da fome e do parasitismo, mais a mais aparentemente apaziguado pela generosa outorga de emancipação das mãos de um Rei tíbio, aproveitasse para medir em sangue os limites da sua liberdade, e para nesse sangue amalgamar novos laços de concidadania.

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