Diz-se com frequência que as civilizações nascem estóicas e morrem hedonistas.
Não sendo fatalista e não subscrevendo filosofias da história de matriz especulativa, não deixo contudo de captar o alcance da coisa: arché, anabasis, acme & paracme em ciclos e epicilos intermináveis até à consumação dos tempos, eis o que poderia presentear-nos com uma exoneração determinista global – se ao menos crêssemos nela.
Vejo chegado o momento dos "rois fainéants", aquele ocaso merovíngio que justificou a chegada dos paladinos carolíngios, e, ironia do destino, aquele ocaso carolíngio que, em Louis V, abriria por sua vez o caminho aos Capetos.
A inépcia e a indolência campeiam uma vez mais, a tornarem tentadores o paralelismo histórico e a esperança messiânica que nele se contém – a abrirem caminho aos escapismos morais que invadem o vácuo do abandono da virtude cívica e do ideal da "vita activa". O mesmo desencanto, o mesmo desrespeito, a mesma repulsa difusamente expressos da parte dos súbditos, a mesma indolência ostensiva e o mesmo alheamento da parte dos monarcas, a mesma avidez hedonista arvorada em princípio de vida e de governação, a mesma acrasia – todos os traços se repetem, em corroboração de que nada há de novo debaixo do Sol.
Por mim, aplaudo o hedonismo e vejo na proliferação do desrespeito uma oportunidade de libertação e de emancipação. Talvez os tempos sejam de desencanto maduro, tempo de as reses se tresmalharem porque descobriram que o melhor pastor é aquele que dorme – e ao dormir, e porque dorme, faz acordar o rebanho.
Um "roi fainéant" é o desastre monárquico que dá uma oportunidade à república, tal como um presidente inábil, inepto e apático pode ser o desastre do regime – mas é uma bênção moral para as pessoas de bem que querem ser deixadas em paz pela grande doença da "política" e querem experimentar num outro registo as vantagens do civismo. Mantenhamos a fé.
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