Às vezes surpreendemo-nos com o carácter selvático dos paradigmas que são oferecidos às crianças. Depois lembramo-nos da terra estranha da gesta helénica, e reconhecemos que sobre a axiologia cruenta de antanho recaiu o pálio da doçura cristã, e que fomos efectivamente transformados (deixando apenas entreaberta a porta da assustada imaginação infantil).
Quando por vezes vejo gente muito enaltecida e respeitada, magistrados de elevadíssimo grau, esgatanhar-se por um prato de lentilhas, penso se não é prematura a conclusão que antecede, a de que fomos transformados, ou redimidos, ou "salvos" do pecado original.
«Bom» ou «mau» são categorias demasiado cristãs, demasiado aculturadas; no panteão grego é-se bendito ou maldito, é-se forte ou fraco, conquistador ou subjugado, belo ou feio, está-se vivo ou morto, está-se do lado certo ou errado de um maniqueísmo intransitável, que não comporta redenção; os bons ofícios não alcançam nada sem o empurrão da fortuna, e a beatitude é um apanágio imoral.
Esta visão, oferecida com o tempero da brutalidade e do fatalismo, tem o dom de não ser hipócrita, embora se auto-mutile por rejeitar a ironia e o cinismo com que oleamos o civismo entre adultos.
Mas às vezes, olhando em redor, penso se não ganharíamos em regressar à hermenêutica linear das crianças, às dualidades categóricas de Homero.
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