Um dos factores de fomento do crime é a probabilidade de indetecção: aliás, foram intuições tão elementares como esta que asseguraram (algo surpreendentemente) o Prémio Nobel da Economia a Gary Becker.
Claro, ao criminoso é facultado, pelo quadro legal, a ponderação da qual resulta a "esperança subjectiva" da punição – sendo que a punição é, em abstracto, o preço de equilíbrio que assegura o nível socialmente óptimo de crime (ou seja, aquele nível de crime que colectivamente estamos dispostos a suportar, porque seria marginalmente desproporcionado suportarmos um aumento do preço se o benefício em termos de segurança fosse destruído pela própria elevação do preço – pense-se na decisão colectiva de abolirmos a pena de morte, mesmo sabendo-se que a pena de morte é dissuasora do criminoso racional).
Lembro-me disto quando reflito sobre um político e uma instituição que cumplicemente apostaram na indetecção. Ambos contavam com a impunidade para preservarem em pleno os efeitos reputacionais – tirando partido da margem de indefinição que corresponde ao "óptimo social de constrangimento abstracto através da lei". As leis têm isso, são falíveis e necessitam de ser vivificadas por um intérprete e por um aplicador que são limitados, humanos e às vezes grosseiramente incompetentes. Mas às vezes a detecção ocorre, e aí a reacção tem que ser exemplar, sob pena de o carisma, os efeitos reputacionais, se perderem para todos os que buscaram – uns bem-intencionados, outros não – o mesmo abrigo e o mesmo veículo formalmente legal: sob pena de pagar o justo pelo pecador.
A liberdade permite, tolera; mas é a mesma permissão e tolerância que lhe impõem que reaja quando se descobrem pervertidos, em jogos de penumbra e em ponderações "beckerianas", os fins da permissão e da tolerância (algo que se aproxima do ideal regulador da "virtude cívica", isto é, das fronteiras do "equilíbrio socialmente óptimo" entre passividade e reacção colectiva). A liberdade mede-se também nestes gestos colectivos de reabilitação dos valores mínimos que cimentam a coesão cívica.
Vamos ver em que é que tudo isto dá. Tenho pena daqueles que de boa fé confiaram na instituição e no político; imagino que sejam aqueles que mais direito têm à reacção indignada.
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