Baloiço


Quando tenho que pensar no que verdadeiramente conta apercebo-me de que algures num momento que não consigo precisar me foi vedado o gozo inocente das coisas.
Hoje procuro revivê-lo pelos olhos e emoções que o meu filho partilha comigo. Sinto o apelo da inocência, apetecia-me entrar de novo nela, mas a vida é mesmo assim, não consente retornos desses; mas estranhamente isso não compromete totalmente o meu gozo, porque agora ressurge sem a ponderação da vulnerabilidade e do medo que experimentei ao longo de toda a minha infância, sempre perturbações latentes no mundo do deslumbramento e do aconchego que propiciam o gozo inocente.
É isso, ocorre-me: num momento qualquer não foi só o baloiço que literalmente me foi vedado, foi também, figurativamente, o impulso que me fazia baloiçar e me fazia sentir-me feliz e acarinhado sem sequer saber analisar as coisas em termos de "felicidade" e "carinho". Superei os medos infantis, é certo – mas a que preço? A troco de quê?
Medito nisso entre o Sol e o alarido do Jardim da Estrela: hoje o meu filho fica com o gozo inefável do baloiço, eu fico em busca de ideias e palavras que se esforçam em vão por alcançar alguma equivalência, algum resgate.
Mas a oportunidade de contemplá-lo, de projectar-me ou recriar-me na inocência que ele espelha, tem já muito de redentor, é uma oportunidade derradeira, uma daquelas coisas que eu não duvido que contem numa vida – ao menos na minha vida.
Talvez no fim possa descobrir que me foi vedado o regresso à inocência essencialmente para que eu pudesse proteger quem ainda lá caminha, propiciando-lhe, com o meu desencanto, através do meu desencanto, o gozo dessa efémera passagem. Talvez. Julgo que nunca o saberei.

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