Uma lágrima e um sorriso


Muito eloquente a apologia de Pedro Rolo Duarte ao carpe diem (AQUI).
Lendo-o, lembrei-me de que também eu outrora procurei um rumo, investi num rumo, e afinal a vida acabou por ser outra coisa, foi e tem sido o que me aconteceu - e não o que eu queria.
Há decerto nisto uma lição existencialista, a de que todo o "modelo de vida" só é verdadeiramente discernível "après-coup", e que no nosso inacabamento antropológico vamos incorporando os meandros do acaso, convertendo-os em destino, em devir, como se cavalgássemos um Rocinante que no seu passo trôpego e errático nos desvendasse um rumo que nem sequer fosse rumo antes de os seus cascos o terem traçado.
Talvez seja essa vulnerabilidade dos nossos sonhos à crueza ardilosa dos factos que ao mesmo tempo dificulta vivermos e confere à vida o seu sabor desafiante ("an awfully big adventure", embora Peter Pan estivesse a referir-se à morte...).
Herdeiros que somos de uma tradição cultural muito densa, consolamo-nos com a perspectiva de que a dádiva da existência se inicia e se acaba num transe trágico, mas que o caminho intermédio não é isento de oportunidades de fruição e de alegria, de descoberta, de edificação, e até de desdém sábio e irónico pelos nossos sonhos e pela nossa finitude.
Magoa-nos esta natureza decaída que é castigada com a percepção da sua própria errância e frustração; mas ilumina-nos essa frivolidade pagã que nos faz gozar os dias sem rumo, essa sábia concentração hedónica na contingência que nos radica tão transitoriamente no mundo.
Victor Hugo, o grande Victor Hugo, sintetizou-o lapidarmente no centenário de Voltaire: "Jesus chorou, Voltaire sorriu; e é dessa lágrima divina e desse sorriso humano que é composta a doçura da civilização actual".

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