Cumplicidade


Entre cabides do Spiderman, do Hulk (com peruca) e de exuberantes vestidos de princesa os seus olhos iluminaram-se, antecipando a alegria do rancho de filhos e enteados quando no sábado regressar a casa. Foi o momento redentor da noite, depois de termos despachado molemente uns petiscos regionais na luz baça e cavernosa do shopping (mais uma vez me esqueci daquele exíguo balcão de Dim Sum que ainda aguarda a minha estreia). Transformámos a nossa exaustão numa cumplicidade silenciosa e trocámos olhares impacientes com a passagem dos minutos. Tínhamos ainda que falar – e falámos. Saiu um som queirosiano, protestámos a nossa inutilidade, a nossa derrota, a nossa resignação, destilámos a gravitas dos anos.
Nenhum trolley passou no aterro a fornecer-nos o dénouement irónico, nenhum instante de elegância mundana veio redimir-nos. Foi preciso descermos à loja dos brinquedos para, na antecipação do carnaval das crianças, na antevisão da alegria inocente, ele deixar reluzir o amor pelas suas crianças, momentaneamente distantes, e eu sentir, na alegria dele, o reflexo dos momentos únicos que a minha criança me tem proporcionado. Por ridículo que soe, esse momento tão prosaico e estereotipado de expressão de sentimentos paternais pareceu devolver algum sentido às coisas, e encher-me de uma secreta confiança - não quero saber porquê.

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