Alma portuguesa


"O mal é que me custa dizer que não, ainda mais a infelizes do que a patetas, e todos levam no rosto um lampejo de esperança. A minha cobardia, se não é a comodidade, obriga-me a este ludíbrio indecente. Mas vá lá alguém convencê-los de que vêm errados, que não é verdade mover eu o Terreiro do Paço com uma perna às costas, que os políticos estão-se marimbando para quem os não assiste com um sufrágio constante ou os não exalça com o alfa e o ómega da arte de governar. Uma vez que caí na santa ingenuidade de confessar a minha impotência, ia-me saindo caro. Assanharam-se contra mim e os nomes menos feios com que me mimosearam foi soberbo e homem sem Deus, o que no fundo me lisonjeou. Não estamos na terra em que mergulham Santo António no poço quando se demora a fazer o milagre? Realmente ter ou não ter influência e usar dela eficazmente não é essencial; o que conta é afixá-la e pô-la de modo teórico e dialéctico à disposição de quem precisa. O português prefere ser enganado a ser desiludido; antes quer morrer esperando, confiado na Virgem, na boa alma, no bom acaso, a ser distinguido com o sincero e formal non possumus."
Aquilino Ribeiro, Caminhos Errados

Sem comentários:

Enviar um comentário