Tramps Like Us


Estou a ficar velho. Há uns anos não teria perdido, por nada deste mundo, um concerto de Bruce Springsteen. Hoje irrita-me ver uma multidão de grunhos a repetirem incessantemente clichés sobre "The Boss" e curtirem-no como se se tratasse de um frasco de pickles.
Incomoda-me porque nessa exaltação transbordante com o autor de Candy's Room e Prove It All Night eu também devo ter feito figura de grunho, e por isso revejo-me nesse rockeiros festivaleiros decadentes que se tornaram reféns definitivos de uma jukebox íntima.
E no entanto ouvir Bruce Springsteen faz-me viajar por recantos e memórias intraduzíveis para mim mesmo, de estruturantes que são da minha forma de ver o mundo, de embutidas que estão na minha consciência. Estou sempre a trauteá-lo e a confrontá-lo, nos meus momentos mais críticos, com os demónios que querem fazer-me capitular à opacidade da existência (à rotina burguesa, diriam os grunhos letrados); como a secção de piano de Layla de Eric Clapton (aliás Derek & The Dominos) nos momentos de vacilação de Tony Soprano, o Leitmotiv sonoro do anti-herói de uma geração de vencidos (e não por acaso, vicejando também ele no bafio de New Jersey).
Vejo Bruce Springsteen por um momento na TV e choca-me a estilização, o adorno histriónico; mas perdoo-lhe, e aos grunhos que o curtem neste ocaso do grande dínamo que ele foi, como me perdoo a mim mesmo de ter cerzido tanto da minha percepção do mundo com uma linha tão vagabunda – como essa dos falsos sonhos do rock'n'roll.
Sou vítima da minha geração, em suma, paguei-lhe demasiado tributo porque não havia alternativa a essa vassalagem, e agora a minha geração retribui-me fazendo-me velho.

Sem comentários:

Enviar um comentário