Que c'est triste Venise


Por entre o nevoeiro das nossas rotas pessoais, por entre o silêncio e a distância das nossas rotinas, às vezes um apelo rompe: um uivo de tristeza, um soluço de arrependimento, um suspiro de cansaço.
Se é alguém que acarinhamos, o coração cerra-se, e a impotência resultante da distância acumulada deixa-nos um travo amargo de culpa, e ficamos a remoer no quão pouco solidários conseguimos ser. Gostaríamos de poder lançar mão de todos os clichés e receitas com os quais normalmente essa solidariedade se banaliza e espartilha, mas a simples hipótese de o fazermos culpabiliza-nos ainda mais.
Resultado: ficamos paralisados perante esse afogamento existencial de que nos chega o eco, tendo como única ténue consolação de que a angústia com a nossa impotência é também ela uma forma inexpressiva de empatia com a aflição alheia.
Inexpressiva, mesmo assim.
Mas ainda assim melhor do que aquela afectação compacta e pronta com que emitimos habitualmente uma simpatia exangue.
Recolho-me por fim à minha concha, trauteio uma canções sombrias e tento imaginar o que faria se fosse omnipotente (e ubíquo). E, sem deixar espelhar nada, sem vencer o nevoeiro ou o silêncio ou a distância, como se nada ouvisse e nada quisesse exprimir, fico genuinamente triste.

1 comentário:

  1. O que escreve hoje contrasta com a efusividade da música que se ouve enquanto o lemos. O grito de tristeza soa ainda mais estranho, ambíguo, cortante.

    ResponderEliminar