Tenho procurado desviar as minhas atenções para longe da política. Abro uma excepção.
Parece prestes a terminar a sua presidência (nunca se sabe) um político pelo qual nutro simpatia, Nicolas Sarkozy.
Nutri-la-ia já pelo simples facto de ele se ter tornado a «bête noire» de toda a esquerda ressabiada e respectivos «compagnons de route», de ele se ter tornado o alvo fácil do ressentimento e da inveja da parte daqueles que soçobraram financeiramente sob a fanfarra da ilusão europeísta.
Mas pela positiva simpatizo com um homem invulgarmente articulado e eloquente, corajoso, frontal, carismático, capaz de demonstrar que há, bem no coração da França, um núcleo irredutível de pensamento que não se verga às categorias de entendimento da esquerda e que é capaz de se afirmar sem vergonhas e sem chavões «politicamente correctos».
Simpatizo com um homem que traz cosmopolitismo no DNA e nas opções sentimentais; que até na estatura e nos complexos tem um traço de bonapartismo muito filtrado pelos fauteuils das mansões de Neuilly, liberto do arrivismo rastacouère, prenhe e vibrante daquela confiança cívica que faz grande a França – e que faz com que nessa nação funcionem certas instituições e modos de vida totalmente impraticáveis fora das suas fronteiras – e não posso deixar de admirar um homem que, com presença de espírito, é capaz de ironia certeira e de concessões ao hedonismo.
Se ele sair agora deixará boas recordações, em especial junto daqueles que, menos impressionáveis pelo cliché neurótico e pelo sermão encomendado da «opinião pública», prezam a originalidade na personalidade e na actuação. Na verdade Sarkozy (confesso que a primeira vez que ouvi o nome pareceu-me uma abreviatura de "Sarcoma de Kaposi", e lembro-me disso de vez em quando) tem muito de único e improvável, o que o coloca em harmonia com o país único e improvável que é a França (único pela posição icónica, improvável por ser um país sobredeterminado pela grande improbabilidade que é a História).
Culto que é, é bem possível que se transforme num dos mais visíveis e influentes ex-presidentes, assegurando por essa via o respeito amplo que o sectarismo agora (temporariamente) lhe recusa.
O tempo dirá.
Por ora, noto que tem resistido àquele apetite bacoco para deixar no centro de Paris um zigurate qualquer a perpetuar a sua memória – o que talvez me leve até a desejar que saia agora, antes que um segundo mandato o faça sucumbir a essa tentação «neo-Haussmanniana», com laivos «Speerianos», que acaba por ser a danação mais perene e conspícua da memória dos Presidentes.
Sem comentários:
Enviar um comentário