Paris é a cidade mais responsável pela estigmatização e confinamento dos pobres – gerando condições para a repulsa e medo por parte da classe média, e para auto-justificação, senão mesmo para a auto-indulgência, por parte dos excluídos.
Tudo começou pelo "mito urbano" de que existiria uma "cour des miracles" na qual os mendigos despiriam os seus artifícios e "por milagre" recobrariam a condição normal, voltando a ver, a andar, a remover aleijões vários, etc. – como se a pobreza fosse essencialmente uma maquilhagem, uma "ruse" para explorar os incautos.
Isso não apenas incrementou a ideia de que havia muito de postiço e oportunista na prática da mendicidade; incitou a pensar que havia um mundo de sombra e contra-cultura que era subversivo, um mundo ferino sobre o qual era preciso exercer a mais drástica repressão.
Os ideais burgueses de "Lei e Ordem" repousam nessa ansiedade relativa a realidades excluídas e alienígenas que fazem a sua irrupção destrutiva a qualquer momento – ao mesmo tempo que a lenda urbana e o preconceito que ela gera cavam um fosso que é muito irresponsabilizador dos excluídos: foi assim com os mendigos, foi assim com os acampamentos ciganos, foi assim com os bidonvilles e é assim com os guetos magrebinos – as mais recentes "cours des miracles".
Se não houvesse luta de classes, os Parisienses sempre a inventariam. O Parisiense gosta de sentir-se privilegiado. Ora não há privilégio próprio sem privação alheia.
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