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Quando o desconcerto do Mundo me fere mais gravemente e me apetece fugir, lembro-me de uma velha dualidade que emergiu na China, seis séculos a.C., a dualidade entre Confucionismo e Taoismo – porque ela me parece resumir as vias alternativas para a nossa consumação como boas pessoas. Confúcio privilegiou a observância de deveres sociais, Lao-Tsé a fuga a esses deveres. Um quis projectar na natureza humana o florescimento da sociabilidade, da razão, da articulação, da intersubjectividade, dos costumes; o outro contentou-se com a moralidade que pode emergir da sondagem interior, que pode ressoar da renúncia e do silenciamento, e diz-se que foi um guarda que, surpreendendo-o na fuga, lhe rogou que deixasse em legado o manifesto que é o Tao te Ching.
Retirar, não prosseguir, contemplar, não criar, desaprender a esperteza superficial e ornamental com a qual nos inebriamos no baile de máscaras; não depender, não competir. Abandonar as pressões mutiladoras das tempestades sociais, das convenções, dos interesses, buscando imitar a água que busca sempre os lugares inferiores e as profundezas inóspitas, e no entanto beneficia todas as coisas sem competir com elas – vencendo pela erosão, com a sua suavidade e doçura, todos os ângulos e asperezas das rochas, todas as crispações.
E silenciar, abreviar, usar de contenção na busca dos outros, porque nenhuma tempestade, nenhuma estridência, nenhuma desarmonia pode durar eternamente – nenhuma pode adulterar irremediavelmente a autenticidade do casulo onde habita a consciência moral.
Diante do desconcerto do mundo apetece-me reconhecer em mim a maior das riquezas taoístas – a consciência de que tenho o suficiente, a consciência de que posso partir, de que, por uma vez, sem me ocupar dos outros, posso fazer o que verdadeiramente me apetece.
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(De 2007)

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