Há muito republicanismo na minha constituição genética, e portanto não posso envaidecer-me por ele; há também monarquismo, do qual, por alguma razão, não proveio o gene dominante.
Mas a minha biografia tem alguns momentos que me acordaram para os valores da igualdade e da virtude cívica, e por isso consolidaram na minha consciência, desta feita voluntariamente, aquela minha veia republicana.
Um deles foi a minha passagem, em "tempos de cólera", pelo Liceu Pedro Nunes, tido no entanto por alfobre do elitismo burguês lisboeta, por foco obrigatório da "old-boy network" que, parecia prometido, haveria de espraiar o seu ascendente pela capital do país – coisa muito pouco igualitária.
É verdade que convivi com muito menino-bem, muito herdeiro (alguns hoje mandam em Portugal, outros mais concretamente mandam na Brisa), muito playboy em projecto.
Mas vi também os bandos humildes de Campo de Ourique e da Lapa (sim, havia-os, a "gentrification" não estava ainda consumada) a estadearem as suas condutas e códigos de rua, a exercerem o seu império do "calduço" e da cábula, a descobrirem a golpes de irreverência e de imoralidade o seu espaço adulto, a improvisarem com quase nada.
Aprendi a viver com isso, como pacientemente viviam com isso os professores – sendo que na própria paciência e bonomia de muitos deles descobri alguns hábitos de tolerância, mesclada com firmeza didáctica, que nunca mais deixei de associar ao mais nobre dos ideais cívicos.
Lembro-me do sarcasmo de "Rica", nas Lettres Persanes de Montesquieu, dizendo que, por ser mais difícil a observância dos deveres do que a obediência aos padres, a religião católica tinha optado pelos padres (muitas vezes penso que neste sarcasmo, que não tem necessariamente uma conotação anti-clerical, se acoita o mais importante traço distintivo entre os ideais republicano e monárquico).
Com o velho Pedro Nunes foi o oposto que se passou, ao menos nos casos que conheço, e no meu: sobre a turbulência "prenhe de futuro" dos meus verdes anos, dos verdes anos de toda a maralha imberbe, aqueles mestres de aparência acanhada e trajes humildes lançaram, pelo exemplo, o fermento de uma liberdade disciplinada, de uma criatividade norteada, de um suave desencanto com as aparentes facilidades da vida; irmanaram os mais abastados e os mais pobres numa comunidade de trabalho e de valores, por todos distribuíram o ânimo da emulação fraterna; fizeram-nos perseverantes, individualistas e livres – e por fim, como não podia deixar de ser, deixaram-nos ir.
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