O novíssimo Cardeal caduco


E eis que das brenhas do delírio androcêntrico irrompe, magnífico, um novo Cardeal português.
De bom grado o cederia a um outro lugar e a um outro século – um século bem recuado, um daqueles para os quais o purpurado manifestamente propende.
Cheguei a pensar que bom que seria se Sua Reverendíssima fosse missionar para uma daquelas muito machonas repúblicas centro-africanas – porque aí, sendo a primazia do homem indiscutível, falta ainda convencer o nativo da conveniência de trabalhar em vez de escravizar as fêmeas, porque afinal tanta labuta as desvia da sua vera índole, qual seja a de se desincumbirem como parideiras, mamadeiras, educadoras e engomadeiras.
Tínhamos em Portugal as Parcerias Público-Privadas, e agora contamos com mais um motivo de orgulho lá fora – podemos exibir este ornamento cardinalício de visão desempoeirada e de conceitos rasgados, uma espécie de Mourinho das trevas medievais.
Ouvi-lo transporta-nos para os tempos em que o Montijo ainda era "Aldeia Galega", a Amadora era "Porcalhota" e Constância era "Punhete". Estou a visualizar Sua Eminência levado numa cadeirinha aos ombros de quatro robustos negros, a inalar pitadas de rapé e a debitar, para os turiferários embasbacados, elucubrações sobre a posição subalterna das mulheres na "grande cadeia do ser", muito ornamentadas de brocardos latinos.
Coisa magnífica!
E não haver um Nicolau Tolentino para esboçar o retrato deste prelado de meia rococó e sapato de fivelão! E não haver um Eça a ferrar-lhe impiedosamente o cachaço pingue à saída do lausperene! Ou mesmo uma Natália Correia, a remendar com corolários zombeteiros as proposições do preclaro pastor!
Coisa magnífica!
Enfim, Cardeal amigo, é o país que o não merece! Hoje comove-se ainda com as suas palavras tão ressumadas de antanho, tão recobertas da pátine da sabedoria marialva. Mas amanhã mesmo o país regressará acabrunhado à veneração do bezerro d'oiro e à mania do défice, e olvidará as orientações de Vossa Reverendíssima: posto que, mister é reconhecê-lo, não há justiça neste vale de lágrimas.

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