Silêncio e ausência


Hoje meditava, ouvindo um colega, que a ignorância é a grande aliada do historiador, porque lhe permite fixar-se no remanescente e traçar nele linhas, sem soçobrar na entropia da omnisciência.
Ler os outros também é pousar na superfície de contacto entre o que eles proferem e a nossa ignorância daquilo que os levou a escreverem o que escreveram.
Talvez por isso me marquem especialmente os romances em que há um grande ausente, algo que é pressentido como um rumor distante, algo que ameaça uma irrupção avassaladora que jamais se consuma, e ali permanece latente até ao fim: por exemplo o ausente ribombar dos canhões da Guerra Civil de Espanha, nos Sinais de Fogo de Jorge de Sena, que no entanto se ouviriam como numa concha que soerguêssemos para nela escutarmos os sons de uma tempestade, se essa concha deveras existisse e não fosse uma mera composição ficcionada.
Nas faces vincadas dos que fugiam sentia-se o equivalente a esse ribombar dos canhões, e nos Sinais de Fogo experimenta-se o estremeção telúrico desse silêncio obliquamente evocado, que irá, pressenti-lo-íamos mesmo se o não soubéssemos, reclamar vidas e sacudir o futuro.

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