O "Costa Concordia" como alegoria

O país está doente, e, como seria de prever, à medida que a doença se agrava aumenta o número de curandeiros a responderem à expansão da procura de curas milagrosas.
Aparentemente a Providência já não teria meios para acorrer a tanto apelo desesperado que se soergue do país que soçobra (ou aderna, como o "love boat" transalpino), e nesse vazio instala-se o batalhão dos que salvariam o país à força de "palpite".
Há sempre uma moralidade ínsita em tudo, admitamos, mas custa-me a vislumbrá-la numa doença que resulta de simples contágio do país pelo Estado que era suposto administrá-lo. O Estado encalhou no endividamento a que recorreu para lá do limiar do sustentável, contagiou o país do qual sempre tentaria (e tentou, e tenta) retirar os meios de se "safar", e agora passa ainda as culpas para esse mesmo país, que ingenuamente as aceita.
Tácito e Maquiavel teriam admirado o desplante de culpar os passageiros pelo encalhe do navio; mas é precisamente isso que, mandatados e até não-mandatados, fazem todos os comentadores, pseudo-comentadores e comentadores-impetrantes que irrompem aos magotes do miasma, a pregarem à crendice do público.
O país está doente? A culpa só pode ser do próprio país, é o palpite dominante, e o incentivo à auto-flagelação não deixa de penetrar ouvidos ávidos e apetites masoquistas. Em tempos de desespero e ignorância qualquer charlatão pode aspergir a ágora de palpites acusadores e mesmo assim almejar à gloríola de um Savonarola redivivo.
O meu palpite é outro, é o de que a chuva torna o lar mais acolhedor, e os incêndios do Estado dão ao país uma oportunidade de se emancipar.
Basta que pensemos um pouco mais, que convertamos isso em acções, que evoluamos das acções para hábitos e com eles construamos, ou reconstruamos, o nosso carácter. Pois quando nos emancipamos e deixamos de acreditar nos sacerdotes do Estado que deixam encalhar o país e nos "analistas" que tentam incutir no país o sentimento de culpa pelo desastre, temos finalmente a oportunidade (mas não mais do que a oportunidade) de perceber que não há outro destino do que aquele que se contém no carácter que sejamos capazes de construir com os nossos hábitos de gente livre. Um destino que dispensa comandantes ineptos e acólitos passa-culpas.

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